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Empresas Estatais: quando o supervisor é o supervisionado

11/04/2015 | 3513 pessoas já leram esta notícia. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

por Paulo Modesto


É urgente debater com seriedade a presença de Ministros de Estado, Secretários de Estado e Secretários Municipais nos Conselhos Consultivos ou Conselhos de Administração das empresas estatais.

O Presidente da República exerce, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal (Art. 84 da Constituição Federal). Direção superior significa atribuição de fixar políticas, estabelecer orientações gerais, nomear, exonerar e supervisionar dirigentes, controlar atos praticados pelos órgãos e entidades ou revisar contratos, segundo os limites da lei.

Os poderes de direção dos Ministros são mais amplos e gerais perante a administração direta (órgãos hierarquicamente vinculados) e menos amplos e dependentes estritamente da lei quando exercidos perante entidades estatais da administração indireta (autarquias, fundações governamentais, empresas públicas, sociedades de economia mista).

De qualquer forma, cabe aos Ministros de Estado (e seus equivalentes nos Estados e Municípios por simetria) orientar e controlar. São autoridades às quais os dirigentes de órgãos superiores da administração e das empresas estatais prestam contas diretamente, inclusive para informar sobre o cumprimento das políticas públicas.

É paradoxal que os Ministros de Estado figurem nos dois polos da relação de supervisão ministerial: como órgãos de controle e como órgãos controlados. No entanto, é o que ocorre com frequência no Brasil: ministros são nomeados para Conselhos Administrativos para elevar a retribuição de seus cargos ou para ampliar a interferência direta sobre entidades e, na sequência, são os responsáveis por avalizar que as mesmas decisões tomadas pelos conselhos das estatais sintonizam com as políticas públicas, a moralidade e o interesse geral.

No Conselho, diluem a sua autoridade, sujeitando-se à deliberação colegiada, ou desequilibram com o seu poder o debate interno de alternativas administrativas no cargo de supervisão, omitem-se de exercer o controle "a posteriori", porque vinculados à decisão de que participaram. Essa prática disseminada também em Estados e Municípios, ao contrário de tolerável, é inconstitucional, porque torna ineficaz o Art. 84 da Constituição Federal: os Ministros, como conselheiros diretos das entidades estatais supervisionadas, desatendem à função essencial que lhes foi confiada de auxiliar o Presidente da República na direção superior da Administração.

Ademais, como os interesses econômicos das empresas estatais podem não coincidir com o interesse público, a participação dos Ministros e Secretários Estaduais e Municipais nos Conselhos das Estatais pode ensejar situação típica de conflito de interesses (Lei 12.813/2013, Art.5º, VII: "prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vinculado").

A omissão ou a leniência na função de supervisão ministerial é fato gravíssimo. Por vezes significa a própria ausência de controle administrativo interno. A fiscalização das empresas estatais, sobretudo as de economia mista, alertou o ex-ministro Jorge Hage, excede as atribuições da Controladoria Geral da União. Portanto, no âmbito da administração federal, o único controle administrativo interno a que as empresas se submetem - fora de suas próprias estruturas - é a supervisão ministerial.

Mas se os Ministros são capturados para o conselho das próprias empresas, assumindo a responsabilidade pela decisão tomada na origem, toda a responsabilidade do controle interno subsequente vem a repousar no colo do Presidente da República, o que não é minimamente razoável, mas é o que decorre juridicamente dessa situação em que o auxiliar controlador é ao mesmo tempo o agente controlado. Este não é um problema deste governo ou de anteriores. É um arranjo institucional que não se pode mais tolerar.


Paulo Modesto é Professor de Direito Administrativo da UFBA, membro do Ministério Público da Bahia e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

Artigo publicado no Jornal A Tarde, em 07.05.2015, página A3.

Fonte Jornal A Tarde